A Importância do Reconhecimento e
Libertação de Relações Disfuncionais

Todos os grupos humanos tendem a ser, de alguma forma, sectários devido à nossa natureza. O problema não está em pertencer a uma seita, mas sim quando essa relação se torna disfuncional. Ao perceber isso, é crucial reconhecer a situação e começar a buscar libertação.

Minha jornada pessoal foi complexa. Enfrentei diversas situações difíceis que desafiaram minha sanidade e minhas crenças. Foi extremamente doloroso reconhecer que algo no qual investi tantas energias se transformou em uma realidade completamente diferente da idealizada. Só então percebi que o que considerava normal era, na verdade, abuso. Foi nesse momento que entendi que estava vivendo uma ilusão entre o que eu acreditava e o que enxergava acontecendo comigo e com outras pessoas próximas.

Desfazer todo o sistema de crenças e relações com a vida, incluindo elementos que eu considerava importantes, foi muito desafiador. Por isso, compartilho algumas informações que podem ser úteis para quem está passando por algo semelhante.

É importante reconhecer que é comum dizer que a sua situação é diferente. A negação é natural no início do processo, e isso é normal. Apenas considere as informações a seguir e observe sem criar justificativas. Reflita se você aceitaria as mesmas situações em seu trabalho ou em um casamento. Isso pode ser uma reflexão útil.

Como reconhecer um grupo disfuncional?

O grupo exerce um controle intenso sobre os membros, desde as decisões pessoais até a forma de pensar e se comportar. Isso ocorre de forma velada na maioria das vezes. Normalmente as pessoas são induzidas a procurar aconselhamento com os mais experientes, e então esse controle ocorre.

O grupo desencoraja ou impede a interação dos membros com pessoas fora do grupo, criando um ambiente isolado e fechado. Serão criadas atividades nas datas de convívio familiar, como dia dos pais/mães, carnaval, entre outras. Pouco a pouco preencherão seu tempo com atividades que substituirão o espaço antes ocupado pela família. Também ressaltarão o valor da nova família espiritual ante a família sanguínea.

Há uma ênfase constante em ensinar e reforçar doutrinas ou crenças que não podem ser questionadas, frequentemente através de técnicas de lavagem cerebral. Utilizarão a máscara da erudição para selecionar pensadores que reforcem a visão institucional, dando a ilusão de que há liberdade de pensamento e estudo comparativo.

Existe uma estrutura hierárquica rígida onde as ordens e decisões dos líderes são absolutas e inquestionáveis. Justificarão suas condutas alegando que assumiram um compromisso com aqueles que ainda não possuem clareza ou estão dominados pelas paixões e instintos (você, no caso). Podem também se esconder atrás de decisões superiores, alegando que estão apenas cumprindo ordens, ou que tal determinação pertence à algum decreto (dos quais você não possui acesso).

O grupo usa punições e recompensas para manipular o comportamento dos membros, incentivando conformidade e reprimindo a dissentimento. São estimuladas as honrarias, títulos e cargos, como forma de recompensa. A punição normalmente ocorre com a retirada dos cargos e honrarias. Ninguém te expulsará, mas você será isolado e constrangido.

O grupo mantém informações exclusivas ou segredos que apenas os membros internos podem conhecer, criando uma sensação de superioridade e exclusividade. Isso é justificado com o argumento de que só após uma formação prévia você terá condições de compreender o conteúdo sem pré-conceitos, o que em outras palavras significa que te consideram imaturo ou incapaz de ver algo e decidir sobre. Aceitando sua posição de inferioridade, você investirá meses (ou anos) da sua vida em um processo de doutrinamento para então ter acesso a tais mistérios. Quando tiver o acesso, não terá condição de julgá-lo disfuncional, dado o doutrinamento.

Há uma atmosfera de culpa e medo, onde os membros são constantemente alertados sobre as consequências negativas de desobedecer às regras ou questionar a liderança. Recorrerão ao expediente de embutir você mesmo o papel do carrasco, alimentando a culpa e o sentimento de traição à sua própria essência, quando deixa de obedecer a alguma regra.

O grupo apresenta uma visão dualista do mundo, dividindo tudo em “bom” e “ruim”, “puro” e “impuro”, frequentemente para justificar a separação e o controle. Para amenizar essa visão, constantemente falarão de fraternidade e de compaixão com os demais, porém sempre com um olhar superior àqueles que não compartilham do que é definido pelo grupo como “bom” e “puro”.

O grupo oferece promessas de salvação, sucesso ou realização pessoal absoluta, muitas vezes ignorando o processo gradual e a complexidade da vida real. Em alguns grupos a promessa é para outras vidas, em outros está relacionada com o julgamento final ou com o retorno dos mestres. Porém tal promessa será sempre dilatada para um futuro breve que não é nem tão longe a ponto de desmotivar, nem tão próximo a ponto de mostrar a falibilidade da promessa. E sempre alegarão que o que impede o seu sucesso é culpa exclusiva de você, de não seguir os ensinamentos com energia e devoção suficientes.

Os membros desenvolvem uma dependência emocional intensa do grupo e de seus líderes, tornando difícil para eles tomarem decisões ou agirem de forma independente. O processo se inicia com o que é chamado de “love bombing”, que é um bombardeio de afeto. As pessoas demonstrarão um profundo interesse por você e por suas dores, o que nos abre para compartilhar conflitos e pensamentos ou sentimentos íntimos. Você se acostumará a cada vez pedir mais aconselhamentos e naturalmente ocorrerá uma grande dependência emocional. Outro aspecto trabalhado pelos grupos é a construção de uma identidade coletiva, normalmente exaltando valores como a amizade geralmente em contextos desafiadores, o que te torna mais próximos e dependentes daqueles que pertencem ao grupo.

Teste de Identificação de Grupos Disfuncionais

Instruções: Responda cada pergunta com “Sim” ou “Não”.

  1. O grupo tenta controlar aspectos significativos da sua vida pessoal, como suas decisões e relacionamentos?
  2. Você sente que está se afastando de amigos e familiares fora do grupo?
  3. O grupo insiste que suas crenças e doutrinas não podem ser questionadas e são a única verdade?
  4. Existe uma estrutura hierárquica no grupo onde a liderança é considerada infalível e suas ordens são seguidas sem questionamento?
  5. O grupo utiliza punições ou recompensas para forçar os membros a seguir suas regras?
  6. O grupo mantém informações ou práticas exclusivas que são escondidas de não-membros?
  7. Você frequentemente se sente culpado ou com medo de desobedecer às regras do grupo?
  8. O grupo apresenta uma visão maniqueísta do mundo, dividindo tudo de forma extrema?
  9. O grupo promete resultados para problemas pessoais ou espirituais?
  10. Você sente uma dependência emocional intensa do grupo e de seus líderes, que dificulta suas decisões independentes?

Resultados:

  • 0-3 respostas “Sim”: O grupo pode não apresentar características disfuncionais significativas. Continue avaliando seu envolvimento com discernimento.
  • 4-7 respostas “Sim”: O grupo pode ter alguns sinais de disfunção. É aconselhável reavaliar sua participação e considerar buscar apoio externo.
  • 8-10 respostas “Sim”: O grupo apresenta muitos sinais de disfunção. É importante buscar apoio e considerar seriamente se afastar para proteger seu bem-estar.

Conselhos para familiares de pessoas
envolvidas com grupos disfuncionais

Se você tem um ente querido envolvido com grupos disfuncionais, o primeiro conselho é evitar mostrar materiais sobre seitas ou acusar a pessoa ou a instituição de sectarismo. Haverá um momento apropriado para isso, mas primeiro a pessoa precisa perceber a situação por conta própria.

Aqui estão outros 10 conselhos que podem ser úteis:

  1. Eduque-se Sobre o Grupo: Antes de intervir, procure entender o que é o grupo, suas práticas, e como ele afeta os membros. Isso ajudará a abordar a situação com mais conhecimento e empatia. Pesquise na internet pelo nome do grupo + o termo “seita”, pois você encontrará muita informação relevante. Em grupos internacionais, pesquise em outros idiomas. Como exemplo, existe uma matéria muito bem feita pelo Jornal El País do Uruguai abordando denúncias sobre o grupo no qual eu fiz parte.
  2. Mantenha a Calma e Seja Empático: Aborde seu ente querido com calma e empatia, sem julgamentos ou acusações. Mostrar compreensão pode abrir portas para um diálogo mais produtivo. Procure desenvolver uma estratégia mais com perguntas do que com afirmações, pois as perguntas podem abrir espaço para a reflexão.
  3. Estabeleça um Canal de Comunicação: Tente manter uma linha de comunicação aberta e honesta. Mostre interesse genuíno pelo que seu ente querido está passando e evite confrontos diretos.
  4. Respeite as Escolhas Pessoais: Reconheça que a decisão de permanecer no grupo é, em última análise, a do seu ente querido. Forçar uma mudança pode levar a uma resistência maior e ao fechamento do diálogo.
  5. Ofereça Apoio Incondicional: Seja um pilar de apoio emocional. Demonstrar que você está presente e disponível para ajudar, sem pressões, pode fazer a diferença.
  6. Evite Isolamento: Não tente isolar o membro do grupo ou fazer com que se sinta culpado por estar envolvido. O isolamento pode fortalecer a conexão com o grupo e aumentar a resistência.
  7. Proporcione Alternativas Positivas: Ofereça alternativas saudáveis e construtivas, como atividades, grupos de apoio ou novos interesses que possam ajudar a preencher o espaço deixado pelo grupo disfuncional.
  8. Busque Ajuda Profissional: Considere procurar o auxílio de um terapeuta ou conselheiro especializado em cultos e grupos disfuncionais. Eles podem oferecer orientações específicas para ajudar seu ente querido.
  9. Foque em Pequenas Mudanças: Concentre-se em pequenas mudanças que possam gradualmente ajudar seu ente querido a ver a situação de forma diferente, sem forçar uma mudança radical de imediato.
  10. Prepare-se para Resistência: Esteja preparado para resistência e dificuldades. A mudança é um processo lento e pode haver resistência inicial. Continue oferecendo apoio e esteja pronto para enfrentar desafios com paciência e persistência.

Você deseja sair? Prepare-se antes

Desligar-se de um grupo disfuncional nunca é fácil, e ao fazê-lo, você precisará reconstruir vários aspectos da sua vida. Portanto, é essencial se preparar para que esse processo seja menos traumático. Aqui estão alguns conselhos para esse momento:

  1. Procure ajuda psicológica: Talvez você tenha sido ensinado a subestimar a importância da ajuda psicológica, especialmente por já “ter” essa ajuda dos guias do grupo. Evite discutir assuntos pessoais com esses guias e busque apoio especializado. Um psicólogo pode auxiliar sem julgamentos, e o simples ato de compartilhar sua história pode trazer clareza à sua situação.
  2. Reavalie Sua Vida de Forma Abrangente: Como estão seu trabalho, seus relacionamentos fora do grupo e sua família? Seus projetos de vida devem ser prioridade. Se você interrompeu seus estudos para dedicar mais tempo ao grupo, retome-os. Reaproxime-se de seus pais e familiares, se necessário. Tire o grupo do centro da sua vida e coloque-o no lugar que sempre deveria ocupar: uma parte restrita da sua existência.
  3. Prepare-se Financeiramente: Muitas pessoas que têm relações profissionais com membros do grupo perdem essas conexões ao se desligarem, o que pode desestabilizá-las financeiramente. Comece a reorganizar sua vida profissional para não depender do grupo ou de seus membros.
  4. Questione Suas Crenças: A maioria das “verdades” que temos são frágeis e sem base sólida, resultado de anos de exposição ao conteúdo do grupo em vez de um estudo comparativo real. Quando sair, essas crenças podem ser um obstáculo para lidar com a realidade. Antes de se desligar, abra sua mente para outras perspectivas, mas tome cuidado para não apenas trocar de muletas.
  5. Emancipe-se: Seu verdadeiro guia é seu interior. Libere-se de qualquer domínio ou vínculo emocional com pessoas a quem você delegou a condução da sua vida.
  6. Guarde Documentos e Registros do Grupo: Inicialmente, você pode sentir que está traindo o grupo, mas isso pode ser útil no futuro, por exemplo, ao identificar situações de assédio moral. Esses registros podem servir como prova para ações mais firmes e como proteção contra possíveis retaliações do grupo. Consultar advogados de fora do grupo também pode ser valioso. No meu caso, essa dica foi crucial para minha proteção.
  7. Descubra Ferramentas e Práticas para Romper Contratos Energéticos: Muitos grupos utilizam ritos, explícitos ou não, para criar compromissos entre o membro e a instituição. Esses ritos podem parecer ineficazes, mas podem mantê-lo preso à energia do grupo mesmo após sua saída. Ao se desligar, é vital adotar práticas para romper esses vínculos e contratos, recuperando assim sua autonomia energética.
  8. Cultive Novas Relações: Após deixar o grupo, é importante construir um novo círculo social que não esteja ligado à antiga instituição. Participe de atividades e grupos que reflitam seus interesses e valores atuais. Essas novas conexões podem fornecer apoio emocional e ajudá-lo a redescobrir sua identidade fora do grupo.
  9. Desenvolva Novas Habilidades: Aproveite a oportunidade para aprender novas habilidades que possam enriquecer sua vida pessoal e profissional. Isso não apenas ajuda a distrair a mente das dificuldades enfrentadas durante o desligamento, mas também aumenta sua autoconfiança e capacidade de adaptação a novas situações.
  10. Pratique o Autocuidado: Priorize seu bem-estar físico, mental e emocional. Isso inclui estabelecer uma rotina saudável de sono, alimentação e exercícios, além de dedicar tempo a práticas de meditação ou relaxamento. Cuidar de si mesmo é essencial para enfrentar os desafios do desligamento e reconstruir uma vida equilibrada e satisfatória.