A Prisão da Condição Humana e o Chamado para a Liberdade
Por Caio V. Osman
Reconhecer a profundidade de nossa miséria é um dos atos mais árduos e necessários para qualquer ser humano. Não se trata de uma miséria financeira, material ou social, mas de uma condição existencial. Desde o momento em que nascemos, somos colocados em uma prisão cujas paredes não percebemos. Ela é repleta de encantos: amor, conquistas, prazeres e sonhos. E é nesse mundo adornado que nos perdemos, acreditando que essas experiências definem quem somos. Contudo, quando olhamos além das distrações, percebemos que essa prisão é, de fato, uma limitação fundamental.
Criamos laços, nos apaixonamos e, de repente, alguém que amamos profundamente é arrancado de nosso convívio. São levados para outro pavilhão, talvez mais espaçoso, com um pouco mais de liberdade, mas ainda dentro dos muros. A dor de sua ausência nos dilacera, e nos perguntamos como lidar com tamanha perda. A resposta que encontramos está no escapismo: inventamos deuses que confortam, criamos narrativas para justificar o sofrimento e nos convencemos de que há um plano maior, inalcançável. Essas construções mentais, embora reconfortantes, nos afastam de encarar a realidade de frente: somos prisioneiros de um ciclo interminável.
Essa reorganização de crenças nos permite seguir adiante, com a esperança de que o futuro traga melhores dias. Mas, ao fazer isso, desviamos o olhar da questão central: nossa condição miserável. Evitamos tocar no ponto nevrálgico da existência, onde habita o embotamento que nos impede de ver além das grades. Esse embotamento cria a ilusão de separação, continuidade e finitude. Ele nos faz acreditar que somos fragmentos desconectados de algo maior, sujeitos ao tempo e à morte, quando, na verdade, somos manifestações de algo eterno e infinito.
Mantemos as chaves de nossa cela nas mãos dos carcereiros. Acreditamos que a liberdade é algo que vem de fora, algo que nos será concedido quando alcançarmos um estado ideal ou seguirmos determinados preceitos. Esquecemos que a chave verdadeira está sempre conosco. O problema é que já não lembramos como usá-la. Nossos medos, arraigados no desconhecido além dos muros, nos fazem preferir o conforto do que já conhecemos. O vasto campo de possibilidades, que se estende além do presídio, é visto como uma ameaça. Assim, nos ocupamos em idealizar uma prisão melhor, mais justa, ou em lutar por reformas internas. No entanto, toda essa energia é desperdiçada se não tivermos a coragem de olhar além.
A Ilusão dos Mestres e a Verdadeira Liberdade
Quando buscamos orientação, frequentemente voltamo-nos para aqueles que acreditamos ter encontrado a saída: os mestres, os iluminados, os santos. Criamos mitos e figuras icônicas, dando-lhes nomes como Jesus, Buda e Krishna. Projetamos neles uma perfeição inatingível e os colocamos em altares, acreditando que são enviados divinos, destinados a nos guiar. Mas, ao fazer isso, esquecemos de sua humanidade. Idealizamos suas vidas como livres de sofrimento, moldando-os à imagem de super-humanos. No entanto, essa veneração os distancia de nós, e perdemos a essência do que eles realmente são.
A diferença entre nós e os mestres é mínima, quase insignificante. A única coisa que eles fizeram foi lembrar. Lembraram-se de quem realmente são, enquanto nós permanecemos imersos no esquecimento. Eles, como nós, já amaram, sofreram e perderam. Já enterraram seus entes queridos inúmeras vezes, sentindo a mesma dor que nos acomete. Em suas jornadas, juraram amor eterno, prometeram reencontros e, após séculos de repetição, despertaram. Em um momento de clareza, pegaram a chave, destrancaram a porta e saíram.
Agora, de fora da prisão, observam nossas vidas com compaixão. Acompanham nossos triunfos e quedas, sentindo nossas dores e alegrando-se com nossas vitórias. No entanto, sabem que não adianta sacudir cada um de nós para que despertemos. Nossa condição de esquecimento nos impede de reconhecê-los, assim como nos impede de reconhecer nossa própria natureza. Por isso, seus gestos são sutis. Usam o vento, o silêncio e os momentos de introspecção para nos sussurrar verdades que, quando estamos prontos, começam a ressoar.
O Caminho para Fora das Grades
A saída da prisão não está nos acúmulos, nem nos conhecimentos adquiridos. Tampouco reside nos passos já trilhados pelos mestres, pois suas descrições são de um mundo além das grades —um mundo que não conseguimos interpretar com a mente condicionada. O caminho não é encontrado nas palavras de livros sagrados ou nos rituais religiosos. É um percurso que precisa ser vivido de dentro para fora, começando com a disposição de olhar profundamente para dentro de si mesmo.
Esse olhar interior não busca criar novas fantasias, mas dissolver as que já existem. É uma jornada de descascamento, de retirada das camadas de ilusões que construímos ao longo de nossas vidas. Quanto mais olhamos, mais nos aproximamos do fundo de nossa própria essência, que não é um ponto fixo, mas um infinito sempre em expansão.
Não é possível sair do presídio acumulando o conhecido ou tentando decifrar as experiências de outros. O que é necessário é coragem: coragem de abandonar as muletas, de desapegar-se das certezas confortáveis e de dar um passo rumo ao desconhecido. É lá, além dos muros, que encontramos a verdadeira liberdade.
Um Chamado à Recordação
Há uma voz dentro de cada um de nós que sussurra, insistente, que a saída é possível. Essa voz não pertence a deuses ou mestres, mas ao próprio ser que somos. Ela nos convida a lembrar quem realmente somos: não prisioneiros de um sistema, mas fragmentos daquilo que é eterno e ilimitado.
Para aqueles que ainda sofrem com as dores do cárcere, saibam que não estão sozinhos. Não há vergonha em reconhecer a própria miséria. É a partir desse reconhecimento que surge a verdadeira transformação. Os muros que nos cercam não são tão sólidos quanto parecem; eles começam a ruir no instante em que nos permitimos ver além.
A chave está em suas mãos. Use-a. Permita-se sair, e descubra que os vastos campos e bosques que tanto tememos são, na verdade, nossa morada. A jornada para além das grades é a jornada de redescoberta, de renascimento. E, quando finalmente atravessamos os portões, percebemos que os melhores momentos da vida — aqueles plenos, autênticos e verdadeiramente livres — não estão por vir, mas sempre estiveram aqui. No momento presente, nesta realidade viva e pulsante, descobrimos que não há separação, não há morte. Há apenas a unidade, o amor que permeia tudo. Tudo o que buscamos já é, e sempre foi, diante de nós, esperando apenas que o reconheçamos.